terça-feira, 29 de outubro de 2013

[Coluna] A corneta não pode morrer

Foto: UOL
Por Felipe Portes

Onde já se viu ser um torcedor plenamente satisfeito com o seu time? Deus me livre de ser um desses. O que mais me deixa feliz em ser um é justamente o fato de não ter minha vida baseada num capítulo surreal de vitórias intermináveis.

Fico pensando como é começar a torcer para um time quando ele vive no auge. Você fica mal acostumado e só elogia, tudo é lindo, até aquela vitória de 1 a 0 com gol de bicicleta do seu capitão, que sempre é um cara raçudo e sabe liderar quando o restante da equipe cochila. A derrota nunca é uma opção, você sempre espera uma goleada ou um passeio, vitória em clássico, campeonato sem fortes emoções.

Mas eu sou palmeirense. Quando comecei a entender mesmo o que o futebol representava, já tínhamos levantado a Libertadores, perdido a final do Mundial para o Manchester. Ser torcedor é fazer pequenos esforços pelo seu time, faltar na aula pra ver jogo do boteco, tirar dinheiro da comida pra ir ao estádio e deixar de ver mulher porque tem jogo importante passando na TV.

Se você é torcedor de verdade, sempre vai ficar puto se o time perde. Na ponta da tabela ou não. Não consigo conceber que um empate em 0 a 0 (e dependendo muito da ocasião) possa encher barriga. Não consigo conceber que tenhamos apenas um elenco médio, pra meio de tabela. Nos chamam de corneteiros com razão, mas esquecem que a corneta é apenas um sintoma da paixão insana que é ser torcedor.

Importante que nos separem dos fanáticos, que brigam e até matam por causa de um escudo. Normalmente ouvir falar mal do Palmeiras me irritava, mas depois de tantos anos insípidos, consegui finalmente fazer piada disso. Entendo que como com a nossa própria personalidade, precisamos saber rir de nós mesmos. Aprendi a fazer as mesmas piadinhas que nossos rivais faziam só pra não passar nervoso e... me acostumei. Mas nunca coloquei essas piadas acima do que eu sinto.

Dizem que somos corneteiros, com razão, quando nos veem reclamando de subir pra primeira divisão com um 0 a 0. Não sabem como é ver o tédio virar rotina, perder a fé e vê-la chacoalhar um lencinho bem na nossa cara quando vencemos um campeonato na raça e caímos logo depois. Dizem que reclamamos demais de barriga cheia, quando passamos 12 anos só comendo bolacha recheada pra tapear o estômago. Dizem que o Paulista foi sim um grande título (não que eu não tenha comemorado), mas esquecem que nós já mandamos no país com Divino e depois Matador. Quem come biscoito importado da Suíça não quer mais saber de bolacha de Maizena. Entre todas as sensações que tive como palmeirense desde que consigo me lembrar, a pior delas, de longe, é virar quase irrelevante, sair do grupo que sempre disputa títulos.

Dizem (aí sim eu posso tomar como meu argumento também) que amar um clube não é viver de títulos e sim apenas do sentimento que temos por ele. Fomos esposas dedicadas esse tempo inteiro, fizemos o jantar, limpamos a casa, passamos a roupa e quando chega a hora, sentávamos no sofá pra esperar o nosso amor chegar. Uns dias ele estava sem vontade, abatido. Outros chegava meio bêbado, quando chegava. Amar incondicionalmente é esse troço de questionar as próprias razões enquanto faz algo maior. E esse algo maior é continuar amando, não importa quanta dor a gente sinta.

Sou corneteiro sim, porque hoje sou obrigado a ver Ananias, Ronny, Serginho e Caio. Ontem botava pôster no quarto com Roberto Carlos, Zinho, Evair, Alex, Marcos, Cléber, Djalminha, Oséas, Velloso, Paulo Nunes e Arce. Sou corneteiro com certeza, porque sempre espero uma goleada na Série B. O Palmeiras é grande demais pra que a gente não espere nada dele. E eu tava infeliz demais em te ver cambalear, Verdão.

Somos corneteiros sim, somos eternamente insatisfeitos por fora, pra quem olha de longe. Por dentro, a gente é exigente porque quer ver aquele futebol bonito, aquela alegria, aquela raça, determinação nas divididas, com chegada de time campeão. A gente xinga porque te quer bem, porque sabe que você é capaz de fazer melhor, Palmeiras. E quando faz, ninguém segura, ninguém fica calado, ninguém sossega a garganta quando grita teu nome lá na arquibancada, bate no peito e canta com orgulho que o amor da nossa vida é você.

Somos todos corneteiros sim, e somos Palmeiras. Ainda bem.

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