terça-feira, 26 de agosto de 2014

Éramos moços...



depoimento de Vicenzo Ragognetti, um dos fundadores do Palestra Italia, registrado em 1968.


Passada meia noite, depois de uma longa, barulhenta e violenta discussão, eu saltei em cima de uma cadeira e gritei:

‑ Aqui viemos, meu grupo e eu, para fundar uma sociedade de futebol. Futebol entendem? Vocês só falam em clube de danças, de representação de peças teatrais pelos seus "filo dramáticos", e nem ligam para o futebol. Ou vocês acatam a idéia de tratar TAMBÉM de futebol, ou eu e meu grupo abandonamos o recinto!

Éramos moços. O que faz o moço sem violência?

Do outro lado do salão, surgiu Luis Cervo, também montado sobre uma cadeira. Irruente e fogoso, o saudoso amigo aderiu "in totums" também ameaçando:

‑ Ou vinga a idéia de Ragognetti ou eu e o grupo dos Matarazzo vamos embora!

Houve silêncio. No fim depois de vários discursos enrolados e gaguejantes, foi aprovada a idéia unanememente. Faz-se na hora as eleições. Cervo abiscoitou o cargo de secretário Geral e eu o de diretor esportivo.

Madrugada. Fomos todos tomar chopp no bar vizinho, cantando, falando, sonhando. Sobretudo, sonhando...

Éramos moços... E o moço que não sonha nasceu velho.

No Fanfulla, convocados por mim, com a assinatura do Cervo pedíamos a todos os italianos e filhos de italianos que soubessem dar com perícia e arte um chute numa bola que na manhã de domingo se encontrassem no Largo São Bento. Apareceram mais ou menos uns trinta e lá fomos para o longínquo bairro de Vila Mariana, além da estação de Bonde da Light, à procura de um terreno baldio, indicado ao Cervo por um freguês do Matarazzo.

Encontramo-lo. Não tinha grama nem paus de gol. Não faltava poeira que se levantava a cada nosso chute falho. Tiramos as roupas e todos, já de calção por baixo, aparecemos em trajes excêntricos de futuros craques. As roupas serviram para substituir os paus de gol, com um tijolo em cima, para não voarem com o soprar da ventania.

Iniciamos a peleja. Quinze de um lado, dezoito de outro e lá fomos todos correndo atrás da bola, comprada com um rateio entre o meu grupo, da rua Santa Efigenia, e o grupo do Cervo, empregados do Matarazzo.

O vozerio era infernal e contínuo. Eu, com pose de centroavante e capitão do time, era o que mais gritava e menos jogava. No fim, o meu saudoso amigo de infância, Jorge Giannetti (fundador do clube e Sócio nº 1 do Palmeiras, até a sua morte) na ala direita, pegou a bola, parou o jogo, e com a sua inata serenidade, me disse:

‑ Ou você para de berrar e joga futebol, ou eu me retiro com bola e tudo!

A pelada, sem tempo algum, ininterruptamente, foi até ao meio dia...

26 de agosto de 1914... Éramos moços, quase adolescentes, e gostávamos de sonhar um grande clube para os italianos... São Paulo abandonava as vestimentas de província e tomava a fisionomia de grande cidade... No campo baldio de Vila Mariana, içamos, com fé e entusiasmo, o pavilhão do Palestra Italia, esta Sociedade, que hoje é uma das maiores do mundo...

Ave, Palestra Italia! Salve, Sociedade Esportiva Palmeiras!






Um comentário:

  1. Che bella storia! pieno di emozioni come tutti Italiani ...

    (Que linda narrativa, cheia de emoção como tudo Italiano...)

    Urra meu... e eu num me sabia nada disso, meu!

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