sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Por onde for, quero ser seu par [Coluna]

por Ricardo dos Santos


Arquivo Pessoal


Era um dia frio e cinzento, como outros que já passaram na capital Paulista,e eu havia me livrado do escritório para ir comprar ingressos na "melhor casa de show da América Latina" como uns diziam com orgulho, outros em tom de galhofa.

Fui mais para curtir o ambiente da Turiassu, talvez um ambiente que ainda existia somente em minhas lembranças, mas fato é que, fardado de minha camisa verde oliva, estava na fila, meio absorto em minhas memórias - boas ou ruins - eram minhas memórias.

Alguns que passavam acenavam com a cabeça, outros batiam em um distintivo imaginário na camisa social, e tinha os que apontavam pro boné verde e velho, e sorriam.

Estava quase ficando amargo quando uma bola me atingiu nas pernas, e um garotinho de 6 anos me olhava esperando que a devolvesse, e quando o fiz, vi de longe dizer "Obrigado!" e beijou o escudo que tinha na camisa.

No escudo havia um "P", igual ao meu.


Ouvi alguém dizer "Não sei não, deve ser protesto..." e apontou para o começo da fila, onde vários, não, centenas, bom, nem dava pra saber quantos alviverdes chegavam, juntos.

Instintivamente olhei pra trás, de onde chegava muito mais, e da Cayowaá também descia verdadeiros batalhões, todos cantando e fazendo bagunça, e logo as imediações ficaram tomadas por tantos alviverdes, que a dita casa de show, foi cercada, envolvida.

Eu pensava: "foi abraçada".

Passado já boas horas - e claro que eu já havia saído da fila e me juntado a eles - ainda lá estavam, homens, mulheres, crianças, velhinhos e velhinhas, cantando, bebendo cerveja e compartilhando seus causos, mas por serem muitos, começou a causar alguns transtornos.

Alguém da administração daquele prédio se dirigiu a nós, meio acanhado, mas querendo saber 'o que queríamos'.

Foi aí que se deu uma pequena confusão: a galera se dividiu em grupos para explicar o que estava acontecendo - era vários grupos pra dizer a mesma coisa, mas com palavras diferentes.

Teve até um início de confusão, mas logo os mais exaltados foram separados (tinha a ver com um "chinelo chileno", mas não consegui entender direito, estava do outro lado da rua).

Voltando do banheiro vejo uma molecada, jovens o suficiente pra transmitir aquela sensação de "relaxa coroa, fica suave" tocando bola, quase tirando um timinho na rua mesmo - que há muito já não passava carros.

Cheguei quando um carequinha havia acabado de pegar uma "penalidade", ele comemorava olhando para cima e levantando os dois indicadores para o céu, gesto que alguns colegas aqui no bar repetiam, até um magricela alto dizer:

- Vamos Marcão, tá na hora, vamos!
- Relaxa Rivaldo, deixa os caras da marginal esperando...

Neste momento todos os grupos já haviam esquecido a explicação a ser dada, e em volta desse time, onde cada um vestia um modelo de camisa - verde limão, verde oliva, branca e até azul - ouviam a explicação do mais novo do grupo: eles haviam marcado um "contra" com um time alvinegro.

 Um cético perguntou "pra que?".

- Pra ganhar, ué... - foi a resposta do mais novo, chamado Evair.

Um galequinho tirou a bola das mãos do goleiro, e em passo longos e elegante começou a correr pela Turiassu, e o da camisa escrita "Armero" gritou: "Lança pra mim Ademir!!!".

"Bah, se os guris vão jogar, eu vou", "Bora lá, meu rei!", "Oxi, já estou indo!" e aquela massa de iguais nascidos em cantos diferentes, começaram a seguir o time improvisado, e a gritar "Se eles vão jogar eu vou", "O Campeão dos campeões..." e outros gritos que há tanto estavam guardados na minha cabeça, e lentamente se deslocaram, seguindo os 11 alviverdes, onde quer que eles estivessem indo.

Ainda emocionado, uma velhinha pisca pra mim, me oferece um lenço de papel enquanto cantarolava "Por onde for, quero ser seu par..."

Ela vestia uma camisa azul, manga longa, número 12.

O nome na camisa? "Esperança".

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