sábado, 26 de abril de 2014

[Coluna] Histeria e Mesmice

Por André Falavigna

Preparem-se. A coisa é longa e não houve como deixá-la menos densa. Quem não tiver paciência – ou não souber ler, dá no mesmo – não perca tempo – o seu, o meu, o nosso. É chato estrear assim. Mas é como deve ser, desta vez.
Há um ruído regular que nos impede, nem tanto como palmeirenses quanto como pessoas mais ou menos normais, de levar a sério quase todos os interlocutores que se dispõem a opinar sobre a gestão de Paulo Nobre à frente do Palmeiras. Tal ruído nos é tão familiar que, como sempre acontece nesses casos, simplesmente não nos damos conta dele – pelo menos não durante a maior parte do tempo – e nem sequer o conhecemos de verdade.

Não é uma exclusividade palmeirense. O discurso “educado”, no Brasil, virou isso: a crença cega na hipótese segundo a qual as palavras não fazem sentido – ou ao menos não se reportam a nada de real – e de que toda opinião não é mais do que a manifestação, involuntária ou não, de certo interesse egoístico – individual ou não –, a opção pelo preconceito tanto contra a educação pura e simples como pela transmissão do conhecimento acumulado por milênios – tudo isso, supostamente, apenas e tão somente formas de dominação velada – e a substituição disso tudo pela vaga ideia de que o que vale é a vitória política e que tudo, no fim, é política (menos a política, essa é amor desde o começo) consolidou uma maneira de pensar muito típica e muito nossa: na sua melhor apresentação, é a burrice envernizada. Na pior, a truculência orgulhosa da própria ignorância. Apenas que, no caso palmeirense, talvez haja qualquer dose adicional daquela histeria que inevitavelmente nasce desse tipo de comportamento.

O brasileiro acredita do fundo da alma que argumentar é sobrepor impressões de cunho emocional e ver se, daí, se pode obter apoio para este ou aquele projeto. A hipótese de que duas pessoas possam se aproximar juntas, pelo exame de opiniões diferentes acerca de certo objeto, da verdade que lhes seja acessível sobre aquele objeto é, sempre e sempre, uma fantasia ingênua. O palmeirense vai mais longe: já que a questão de se estar certo ou não é irrelevante, ele pretende estar errado sozinho. Sozinho, mas nunca em paz.

Vejamos o caso de Nobre. Há certo consenso em torno da terra arrasada que ele herdou. Qualquer pessoa sabe que todas as instituições só podem sobreviver e competir com chances, contra suas rivais – se este for o universo da tal instituição –, se forem economicamente viáveis. Isso nada tem a ver com o futebol moderno ou o futebol que aprendemos a gostar, com modernidade ou obsolescência, com capitalismo ou socialismo, com manteiga ou margarina, anal ou oral. Isso sempre foi assim. Isso é a vida. Arguir em favor das administrações racionais é como beber água porque se está com sede, ao mesmo tempo em que se faz um discurso sobre a necessidade ou os benefícios de se beber água quando se está com sede.

Isso é uma coisa.

Outra coisa é ignorar as necessidades de uma instituição quanto a certos objetivos e, enquanto isso, clamar pela consecução desses mesmos objetivos, imediatamente. Isso não é “fazer política”. É fazer-se de bobo. Ou, quem sabe, ser bobo mesmo. Quando torço pelo Palmeiras, não penso em política.  Não quero saber das dificuldades em manter tal ou qual jogador: eu quero é jogador. Mas isso é assim quando torço pelo Palmeiras. Se e quando quiser dar opiniões sobre como administrar o Palmeiras, não posso fingir – diante de mim e dos outros – que me comportar como torcedor, como faço na arquibancada, é legítimo e funcional.

Acho muito justo, natural e razoável que se faça pressão pela montagem e manutenção de elencos permanentemente capazes de disputar e eventualmente vencer, com certa regularidade, os principais títulos disputados pela instituição. O que não é normal é que tal pressão se exerça, invariavelmente e independentemente da realidade, no seu regime mais intenso, desde o início e durante todo o tempo. Se o Palmeiras não tem dinheiro e precisa ajustar-se para ter dinheiro e, mais ainda, se dois anos talvez se constituam num período em que só se possa começar a, mas não se terminar de fazer isso, não faz sentido nenhum sair por aí pedindo que a coisa já esteja, hoje, como deverá estar em três ou quatro anos. Tudo isto está claro. Não somos retardados – pelo menos não todos nós. Todo o mundo já entendeu a coisa.

Talvez já tenha entendido, inclusive, muitas outras coisas.

Por exemplo: já entendemos que estão tentando nos convencer a aprovar a desqualificação do elenco, graças à perda de jogadores essenciais, mediante a apresentação de argumentos fundados em máximas da boa administração. Ocorre que a situação é essa graças a, por exemplo, falta de um patrocínio máster. Diante dessa verdade incontornável – e da revelação da verdade a ele associada, qual seja, a de que a ausência de patrocínio máster não faz parte dos manuais da boa administração – a reação de algumas pessoas responsáveis – ora vejam só – pela boa administração tem sido a de mandar o mensageiro “se virar” atrás de um patrocínio máster, sob ameaça de o atirar no poço. Viram isso num filme sobre as Termópilas e, desde então, acreditam que o procedimento é mesmo razoável.

Paulo Nobre está longe de ser “o pior presidente” da história do clube. Aliás, é cedo para dizer se será bom ou mau. O time está longe de ser “o pior time” da história do clube. A torcida está longe, muito longe, das suas piores depressões. As perspectivas são as melhores em muitos e muitos anos, inclusive por conta do estádio – confusa o quanto esteja a coisa, a natureza mesma dela não admite o impasse eterno. Não tenho mais saco com histeria, sobretudo com histeria voluntariamente ignorante. Até aí, morreu o Neves. A torcida também não entende necas de pitibiribas sobre futebol e vive de fazer eco a jornalistas que malemá são capazes de desenhar a letra "O" usando um copo. Há outras coisas que preocupam muito mais; como, por exemplo, a falta de capacidade da atual gestão para compreender que, sem a manutenção de um time que possa se entrosar – o que só se obtém pela manutenção de sua espinha dorsal – nenhuma racionalidade administrativa salvará sua pele. Até porque gerir equipes de futebol implica montar equipes de futebol. Se você não consegue progredir nesse sentido, não fez nada. Nada. Nada. Todo o resto é desprezível. Todinho. Mesmo. E se, além de não progredir, retrocede...

Bom, se retrocede... daí você é incompetente e deve ser afastado das suas funções na primeira oportunidade eleitoral. Não sei se vocês sabem, mas é assim que funciona. 

Outra coisa que, parece, ainda não ficou suficientemente clara: não foi o torcedor da arquibancada quem pediu para administrar o Palmeiras. Quem o fez foi Paulo Nobre. Não é o sócio-torcedor quem recebe, pontualmente, um bom salário para montar, manter e melhorar equipes de futebol capazes de disputar títulos. Quem o recebe é José Carlos Brunoro. Portanto, não me peçam pra rebolar.

Rebolem vocês, bonitões. E é bom começar rápido.

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