sábado, 14 de junho de 2014

[Coluna] A imensurável Família Palmeiras


FOTO: Reprodução/BOL
Por Pedro Reinert

O que é a arte de se gritar gol? O que é a sensação única de não conseguir distinguir a beleza de uma bola se perdendo entre fios brancos e uma pintura de Botticelli? A tão graciosa sincronia entre o balançar das redes e a mudança de algarismos no marcador.

Indescritível, inexplicável.

Em praticamente todas as vezes que gritamos e nos emocionamos com um gol, ele envolve diretamente nossos times (e seleções) do coração - claro, existe aquela história de torcer contra o time rival, a coisa da "secada" que é tão comum no futebol, mas esses gols exploram nossa raiva, ódio, empatia e afinidade, não a paixão.

Aconteceu que - como há tempos não acontecia - eu gargalhei e gritei municiado pela mais pura alegria na hora de gritar gol. Aconteceu porque não havia pressão; não havia nervosismo, nem apreensão. Havia só o Palmeiras - por isso a legitimidade da sensação. Mas o Palmeiras nem estava em campo, sequer estava escalado ou devidamente apresentado.

Ontem (13), Valdivia abriu a jogada e só a viu fluir com belos passes de seus companheiros pela direita enquanto foi caminhando em direção à meia lua da área. Não sei se foi um golpe de sorte ou inteligência, mas o camisa 10 saiu dos holofotes da jogada e, pela sombra, chegou até a entrada da área. Ali a bola reencontrou os pés do Mago que a trata com tanta malemolência e habilidade, e de novo, foi presenteada com sua graça ao ser lançada ao ar para rasar entre o goleiro e o travessão, até morrer no fundo da meta adversária.

Hoje (14), inclusive, aconteceu o mesmo - magia à parte. Quando o meia direita fazia seus malabarismos para achar um espaço entre as pernas do marcador, Pablo Armero, lateral de ofício, se deslocava como um ponta esquerda enquanto se encaixava na defesa como um meia-armador daqueles visionários. A bola rasteira que veio do seu lado oposto chegou nos pés do camisa 10 na faixa central da área, mas passou por suas costas num movimento rápido - e talvez não intencional. Ocorreu que a bola encontrou Armero, no lugar certo e na hora certa, mas no pé errado. Só que a alegria, o carisma e a simpatia, pelo jeito, não conhecem essa história de pé errado. E quem liga, afinal? O zagueiro adversário até tentou - quase conseguiu -, mas não ligou. O goleiro também se esforçou, mas também não ligou. Nem a rede ligou. Nem eu liguei.

FOTO: Reprodução/Terra

Esses dois parágrafos acima podiam ser dois gols do Palmeiras. Comemorei, inclusive, como se fossem gols do Palmeiras. Mas o primeiro era de um Chile x Austrália e o seguinte era de um Colômbia x Grécia, válidos pela primeira rodada dos grupos B e C (respectivamente) da Copa do Mundo. Gols de Chile e Colômbia, mas, no fundo, gols do Palmeiras.

Valdivia, depois de anotar o segundo gol da seleção chilena sobre a Austrália, comemorou com o mesmo"chororô" que ele fez repetidas vezes em alguns dos jogos mais inesquecíveis da última década de Palmeiras.

E Armero? Nem joga mais no Verdão, mas correu para o lado do Mineirão e dançou com seus conterrâneos da mesma forma que dançou com Diego Souza, Robert e Ewerthon após o gol marcado em um dos nossos maiores jogos dos últimos tempos.

FOTO: Reprodução/UOL
Essa Copa, por alguns minutos nesses dois últimos dias, deixou de ser "do Mundo" para ser "do Palmeiras".

Hoje, no terceiro dia de competição, reparei o que realmente é um gol do Palmeiras. E o gol do Palmeiras não é só aquele gol anotado por um homem de verde - apesar deste compor praticamente 99% dessa conta.

É o gol de qualquer jogador que um dia já tenha vestido com honra e propriedade a nossa camisa. É o gol de qualquer jogador que já tenha arrancado suspiros, risadas e xingamentos da nossa torcida.

É, também, o gol que exercita uma complacência inconsciente entre a simpatia do palmeirense com a paixão do torcedor de um outro time, dividindo de forma harmônica e saudável uma alegria que surgiria para ser exclusiva.

Um gol que se desenrola explorando uma das formas mais interessantes e bonitas da expressão humana: o orgulho.

Funciona como se fosse um filho, que você cria e lança para o mundo - e que às vezes volta, como é o caso do Valdivia - sabendo que fez dele um homem melhor, mais competente e mais capaz. Então um dia ele reaparece mostrando que está bem sucedido, que tudo aquilo que aprendeu com você posteriormente não foi em vão e ele ainda lhe é grato.

Jogando ou não em nossa casa, vestindo ou não a nossa camisa, o homem que marca esses gols é parte da nossa imensurável família. A Família Palmeiras.

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